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Substâncias encontradas em plantas comuns no cerrado são agentes potenciais contra os chamados rotavírus e o vírus da dengue
por Silvia Pacheco
Estudos realizados nos laboratórios de
pesquisa e desenvolvimento da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Minas
Gerais, apontam que substâncias encontradas em plantas típicas do
cerrado brasileiro contêm potenciais agentes contra a multiplicação dos
vírus causadores do rotavírus e da dengue. A pesquisa, coordenada pela
bióloga Alzira Batista Cecilio, coletou 20 amostras de plantas da região
do cerrado mineiro — muitas, comuns ao restante do bioma. Quatro
demonstraram potencial contra a multiplicação do rotavírus e cinco
contra o vírus da dengue (veja arte). “Isso é novidade no Brasil, pois
não temos antivirais naturais que efetivamente estejam sendo utilizados.
E a inovação maior é que ele poderá vir de uma planta obtida de nossa
biodiversidade”, aposta.
Durante o processo de caracterização e
fracionamento das amostras em laboratório, foi identificada a presença
de várias substâncias em algumas das plantas coletadas. Porém, um
componente em especial chamou a atenção dos profissionais: o flavonoide.
Nos testes virais, realizados em células in vitro, essa substância
atuou diretamente contra os dois tipos de vírus. “Encontramos um grande
número de flavonoides nessas plantas, que parecem ser os agentes
principais contra esses vírus”, disse Cecilio.
A pesquisa, porém,
não revela a efetividade da ação antiviral da substância simplesmente
por meio do consumo de chás feitos a partir das plantas. “O preparo de
chás para combater viroses não é indicado, pois não foram feitas
pesquisas com a aplicação desses produtos, mas sim com o extrato bruto
da planta”, esclarece.
As amostras coletadas para a pesquisa não
foram, necessariamente, de plantas medicinais, mas sim das que pudessem
ter substâncias químicas com chances de alguma ação antiviral. “A
diversidade do cerrado nos dá inúmeras espécies que têm substâncias
químicas importantes. Depois de identificadas, começam os testes para
saber se elas podem vingar”, explica Marcos Sobral, botânico da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que participou da coleta e
caracterização das plantas para o estudo.
Depois da
caracterização das plantas em relação às substâncias antivirais, os
pesquisadores fizeram testes com células do rim de macaco rhezus,
injetando os vírus e o extrato bruto das plantas. Depois de uma espera
de 48 horas, os cientistas começaram a analisar o que havia acontecido
com essas células. “A célula que sofreu a ação antiviral não desenvolveu
placas, que são sinalizadoras da multiplicação do vírus”, disse
Cecilio.
O próximo passo da pesquisa é desvendar como o
flavonoide age contra a multiplicação dos vírus. Para isso, os
cientistas vão fazer testes com animais para que, no futuro, possam ser
produzidos medicamentos eficazes no combate às doenças virais.
O
rotavírus, segundo a pesquisa, é a maior causa da morte de crianças
abaixo de 5 anos no Norte e no Nordeste do Brasil. “Só em Minas Gerais,
este ano, mais de 8 mil casos foram registrados”, expõe Cecilio.
“Acredito que, em três anos, possamos ter resultados mais concretos
sobre um potencial medicamento”, conclui a pesquisadora.
Componentes benéficos
Flavonoide
é o nome dado a um grande grupo de fitoquímicos ou fitonutrientes
encontrado em várias frutas e vegetais em geral, assim como em alimentos
processados, como chás e vinho. Os benefícios do consumo de frutas e
outros vegetais é geralmente atribuído mais aos compostos flavonoides do
que a outros nutrientes conhecidos, devido ao vasto leque de efeitos
biológicos que eles favorecem, que incluem, entre outros: ação
anti-inflamatória, antialérgica e anticâncer.
Combate ao vitiligo
A
mama-cadela (Brosimum gaudichaudii), também conhecida por
mamica-de-cadela, algodão-do-campo, amoreira-do-campo, mururerana, apé,
conduru, inhoré ou fruta-de-cera, é um arbusto de pequeno porte muito
comum na zona do cerrado do Centro-Oeste brasileiro. Seu princípio ativo
é responsável pelo único remédio para o tratamento e cura do vitiligo —
doença não contagiosa caracterizada por manchas na pele, decorrentes da
descoloração provocada pela redução dos melanócitos.
Em 1967, o
médico e pesquisador Anuar Auad descobriu o princípio ativo que deu
origem ao medicamento. Ele tratava pacientes portadores de pênfigo (fogo
selvagem) com banhos de chá da planta. Foi então que Auad verificou em
alguns pacientes que tinham vitiligo, mas também eram portadores de
pênfigo, que as manchas causadas pela doença começaram a diminuir. A
partir daí, o médico começou a estudar as propriedades da mama-cadela e
descobriu que a ação era proveniente de uma substância
fotossensibilizante, o bergapteno.
Hoje, o princípio ativo —
encontrado em casca, raízes e frutos verdes da planta — é bem conhecido
sendo utilizado como medicamento, combinado com vitaminas A, B1 e B6, no
tratamento e cura do vitiligo e de outras doenças que causam
despigmentação na pele. Porém, em 2005, foram retiradas as vitaminas e o
medicamento se tornou fitoterápico, registrado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). “O remédio atua nos melanócitos, que são
os produtores da melanina e responsáveis pela pigmentação da pele. O
vitiligo paralisa justamente os melanócitos e o medicamento reativa a
produção da melanina. Com isso, esse remédio não só deixa a doença
estagnada como repigmenta, em 80% dos casos, a área da pele atingida”,
explica José Carlos, superintendente da Sauad Farmacêutica.
Cerca
de 2% da população mundial, segundo o superintendente, é portadora de
vitiligo. No Brasil, o número chega a cerca de 4 milhões de pessoas. As
pesquisas científicas ainda não conseguiram provar a origem da doença.
“Alguns cientistas dizem que é hereditária, outros dizem que é
autoimune. O que se sabe de concreto, porém, é que ela se manifesta em
pacientes com o estado emocional abalado”, disse José Carlos. “O fato é
que se a pessoa tem tendência ao vitiligo e seu estado emocional não
está bom, a imunidade baixa e a doença se manifesta”, conclui.
Outros
estudos estão sendo desenvolvidos em cima da mama-cadela. “Já ouvimos
dizer pela população que utiliza a planta que seu fruto é um excelente
emagrecedor. Mas isso tem que ser pesquisado e comprovado”, conta José
Carlos. O superintendente diz ainda que há muitas parcerias entre
universidades e instituições de pesquisa para estudos aprofundados da
mama-cadela. “A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está
estudando em cima do nosso princípio ativo, o bergapteno, na aplicação
de alguns tipos de câncer e da candidíase.”
Entre os populares da
região do cerrado, o chá da mama-cadela é utilizado contra gripes e
bronquites, como depurativo do sangue e em problemas de má circulação.
Fonte: Correio Braziliense
publicado em 25/04/2010
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